ADI e “softwares” abertos - 3
A preferência pelo “software” livre, longe de afrontar os princípios constitucionais da impessoalidade, da eficiência e da economicidade, promove e prestigia esses postulados, além de viabilizar a autonomia tecnológica do País. Com base nessa orientação, o Plenário reputou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada contra a Lei 11.871/2002 do Estado do Rio Grande do Sul, que estabelece regime de preferência abstrata em favor de “softwares” livres quando da aquisição de programas de computador pela Administração Pública gaúcha — v. Informativo 686 (medida cautelar noticiada no Informativo 343). De início, o Plenário distinguiu os “softwares” livres dos “softwares” proprietários. Enquanto os “softwares” proprietários (também conhecidos como fechados) apenas permitiriam a utilização pelo seu destinatário, os “softwares” livres (cognominados abertos) viabilizariam, além da utilização, a sua cópia, sua alteração e a sua redistribuição para a Administração. Esclareceu que um mesmo programa de computador poderia configurar-se como “software” livre ou proprietário, a depender da extensão dos direitos conferidos ao seu usuário no contrato de licenciamento. A distinção, portanto, diria respeito à formatação jurídica da licença, ou seja, à extensão dos poderes facultados ao licenciado pelo negócio jurídico que possibilitasse acesso ao programa de computador. Lembrou que a Lei 11.871/2002 criara regras de preferência para a aquisição de “softwares” livres por parte da Administração Pública direta, indireta, autárquica e fundacional daquela entidade federativa, assim como os órgãos autônomos e empresas sob o controle do Poder Público estadual. A preferência, no entanto, fora apenas relativa porque a própria Lei 11.871/2002, em seu artigo 3º, admitira a contratação de programas de computador com restrições proprietárias, nas seguintes hipóteses específicas: a) quando o “software” analisado atender a contento o objetivo licitado ou contratado; e b) quando a utilização de programa livre e/ou código fonte aberto causar incompatibilidade operacional com outros programas utilizados pela Administração. O Tribunal asseverou que a norma questionada não afrontaria o art. 61, II, b, da CF, na medida em que versa tema de licitação no âmbito da Administração Pública estadual, e não de matéria orçamentária, menos ainda de organização administrativa. Ademais, a iniciativa legislativa prevista no aludido dispositivo constitucional teria sido reservada ao Presidente da República apenas por se tratar de matéria adstrita aos Territórios.
ADI 3059/RS, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 9.4.2015. (ADI-3059)
ADI e “softwares” abertos - 4
A Corte entendeu que tampouco haveria ofensa ao art. 22, XXVII, da CF, uma vez não haver contrariedade às normas gerais sobre licitações e contratações públicas em vigor. Frisou que a falta de previsão expressa no art. 24 da CF não representaria impedimento constitucional à atividade legiferante dos entes federativos sobre a matéria de licitações e contratos administrativos. Além disso, a Lei gaúcha 11.871/2002 apenas concretizaria o princípio da padronização já insculpido no art. 15, I, da Lei 8.666/1993 (“Art.15. As compras, sempre que possível, deverão: I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas”). Assim, a norma questionada também não teria afrontado o devido processo legislativo por vício de iniciativa e o princípio da separação de Poderes. Segundo o Tribunal, em nenhum momento a regra legal teria excluído do universo de possíveis contratantes pelo Poder Público qualquer sujeito. O que a lei do Estado do Rio Grande do Sul fizera fora reconhecer que o contrato de licenciamento a ser celebrado pelo Poder Público deveria ter conteúdo amplo, a viabilizar não apenas a utilização do “software”, mas também sua modificação e distribuição. Não haveria, na hipótese, qualquer restrição à competitividade. Ainda, não haveria afronta aos princípios da eficiência e da economicidade (CF, artigos 37, “caput” e 70, “caput) porque, ao optar por um “software” livre, a Administração Pública teria garantido sua: a) liberdade de execução, por poder executar o programa para qualquer propósito; b) liberdade de conhecimento, por poder estudar o funcionamento do programa e adaptá-lo livremente às suas necessidades; e c) liberdade de compartilhamento, porque uma única cópia do programa poderia ser utilizada por todos os funcionários de um mesmo órgão público ou por qualquer outro ente, fosse ele pessoa física ou jurídica, sem custos adicionais. Nesse cenário, existiriam razões suficientes para que o legislador, em nome do postulado constitucional da eficiência, determinasse que os contratos de licenciamento de “softwares” livres fossem preferencialmente adotados pela Administração Pública, em detrimento dos contratos de licenciamento proprietário.
ADI 3059/RS, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 9.4.2015. (ADI-3059)
Decisão publicada no Informativo 780 do STF - 2015
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